Debatedores sugeriram nesta segunda-feira (31), em audiĂȘncia promovida pela Comissão de Seguridade Social e FamĂlia da Câmara dos Deputados, um esforço social conjunto para frear a alta consistente dos casos de violĂȘncia doméstica contra crianças e adolescentes no Brasil.
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), apenas no ano de 2019 foram notificadas, em média, 243 agressões por dia no Brasil contra o pĂșblico com idades entre 0 e 19 anos, somando 88.572 notificações. Dessas, 62.537 envolveram violĂȘncia fĂsica; 23.969, violĂȘncia psicológica ou moral; e 2.342, tortura.
Além de oferecer novos caminhos para denĂșncias, segundo os participantes, é preciso capacitar mais profissionais das ĂĄreas de educação, saĂșde, assistĂȘncia social e segurança pĂșblica para identificar o problema a partir de sinais não tão evidentes.
Presidente da SBP, Marco Antônio Gama propôs que os médicos investiguem com mais atenção traumas e sinais comportamentais manifestados por crianças e jovens. "O médico tem que pensar em um diagnóstico diferencial para vĂĄrias patologias que podem estar disfarçadas. A criança caiu do muro? Nada, ela sofreu uma agressão, disse." Para Gama, quanto mais conhecimento técnico-cientifico o médico tiver, mais chances a criança terĂĄ de ser protegida e mais subsĂdios a Justiça terĂĄ para processar o agressor.
Casos de agressão
O deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO), que é cirurgião pediĂĄtrico e que propôs o debate, lembrou os casos de Henry Borel, Isabella Nardoni e Bernardo Boldrini, mortos em decorrĂȘncia de violĂȘncia doméstica.
"Fiquei muito deprimido ao ver o sofrimento de uma criança indefesa evoluir para o óbito", disse Calil, referindo-se ao caso do menino Henry, que jĂĄ chegou morto a um hospital do Rio de Janeiro com sinais de agressão fĂsica. "Precisamos chamar atenção para os sinais de alerta que as crianças apresentam. As crianças se comunicam com a gente muitas vezes apenas com o olhar", reforçou Calil.
Presidente da Associação Brasileira de Cirurgia Pediatria, a médica Maria do Socorro de Campos lembrou que, entre 2010 e 2019, mais de 103 mil crianças e adolescentes com até 19 anos morreram no Brasil, vĂtimas de agressão.
Como em 90% dos casos os agressores são os próprios pais da vĂtima, ela considera fundamental orientar profissionais de diversas ĂĄreas para que sigam os protocolos recomendados, como saber ouvir, não fazer perguntas em demasia e evitar que a vĂtima se sinta culpada.
"É importante ainda orientar a vĂtima sobre todos os procedimentos a serem adotados, como o tipo de exame a ser realizado; não prometer que o fato vai ficar entre ela e o profissional, porque pode ser necessĂĄrio fazer uma denĂșncia; e garantir a singularidade do atendimento, levando em conta cada tipo de situação", observou.
Pandemia
De 2010 a 2019, os nĂșmeros mostram alta de 294,3% nos casos violĂȘncia fĂsica, de 222,4% nos casos de violĂȘncia psicológica e de 180% nos casos de tortura. Porém, o secretĂĄrio Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da FamĂlia e dos Direitos Humanos, MaurĂcio Cunha, reconheceu que, durante a pandemia, com o fechamento de muitas escolas, os casos de violĂȘncia contra crianças e adolescentes podem estar subnotificados.
"Quando se considera que a violĂȘncia se dĂĄ no âmbito doméstico e é praticada por pessoas de confiança, certamente houve aumento de casos durante a pandemia. Apensar disso, as notificações diminuĂram, porque a criança estĂĄ com menos contato com professores e médicos, que são quem fazem a maior parte das denĂșncias", disse Cunha.
Canais de denĂșncia
Ele explicou que, em 2020, dos 76.981 casos registrados envolvendo o pĂșblico infanto-juvenil, apenas 4.402 foram realizados pela própria vĂtima.
Como novo meio de denĂșncia, além do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher), ele informou que o governo trabalha no aplicativo SABE, para que as próprias crianças possam fazer denĂșncias.
Entre outras ações, citou a inauguração do primeiro Centro de Atendimento Integrado, em Vitória da Conquista (BA), em atendimento à Lei da Escuta Protegida, que exige condições especĂficas para o atendimento de vĂtimas de violĂȘncia sexual. A ideia, segundo ele, é que a criança tenha acesso a todos os serviços necessĂĄrios em um só local.
Impunidade
Francisco Cembranelli, promotor pĂșblico do Estado de São Paulo que atuou no caso Isabella Nardoni, disse que não basta criminalizar condutas e prever penas rigorosas para os agressores. "O que impede a conduta é o criminoso ter a certeza de serĂĄ punido. Hoje, somente 10% são denunciados e acabam sendo alvo de processo. Em mais de 90% dos casos, temos a impunidade absoluta no Brasil. Ao não ser alcançado, ele volta a delinquir, a espancar a mulher e a bater no filho", disse Cembranelli, cuja tese levou à prisão de Alexandre Nardoni e Anna Carolina JatobĂĄ, respectivamente pai e madrasta de Isabella, espancada e atirada pela janela do sexto andar de um prédio em São Paulo.
Os estados com mais ocorrĂȘncias de violĂȘncia contra menores no perĂodo são: São Paulo (138.460), Minas Gerais (96.287), ParanĂĄ (54.884), Rio de Janeiro (49.827) e Rio Grande do Sul (42.791).
Fonte: AgĂȘncia Câmara