A Praça é a Torre na Infoesfera
Vivemos num mundo habitado por fluxos, mas governado por formas. A forma do Estado, da plataforma, do cabo submarino, da bolha de atenção. E é com formas que o poder se disfarça de transparência, de liberdade, de nuvem. Mas como dizia Sloterdijk, toda forma é uma esfera: um espaço de imunidade, de proteção, de exclusão — uma cápsula técnica e simbólica onde a vida respira, mas também é vigiada.
E nesse mundo de formas invisíveis, emergem dois vetores que tensionam o planeta digital: a praça e a torre, como mapeou Niall Ferguson. A praça — aberta, reticulada, horizontal — parece o ideal da internet: espaço livre, comunitário, de troca. Já a torre — vertical, hierárquica, blindada — representa o Estado, os centros de comando, os data centers. Mas Ferguson nos alerta: as praças digitais rapidamente constroem suas próprias torres. E nelas moram as big techs, os algoritmos proprietários, os contratos de adesão, os servidores sem pátria.
Sloterdijk nos ofereceu a imagem das esferas como habitats existenciais, e talvez possamos reinterpretar a Infosfera como a esfera global por excelência: uma cápsula planetária construída não com vidro e ar-condicionado, mas com protocolos, cabos, satélites e silício. Uma cúpula técnica onde os humanos respiram dados e algoritmos — muitas vezes sem saber.
As torres de hoje não são de pedra, mas de código. E as praças não são de mármore, mas de tela líquida. Nossos vínculos, nossos afetos, nossos pensamentos circulam por redes que, enquanto prometem liberdade, nos encapsulam em ambientes de auto-seleção, bolhas de confirmação e filtros de atenção. O que Sloterdijk chamou de ambientes de cultivo humano — verdadeiros "parques para humanos" — onde o pensamento crítico vai rareando.
Ferguson nos mostra que as redes não eliminam o poder — apenas o redistribuem. Sloterdijk revela que toda rede é também uma forma de encapsulamento, onde se projetam medos, desejos, imunidades. E é nesse campo ambíguo que a Infosfera se torna o novo império atmosférico: um império sem centro fixo, mas com zonas de controle muito bem definidas.
Hoje, as guerras não se travam apenas em campos de batalha, mas nas superfícies lisas das telas e nos fundos abissais dos oceanos, onde cabos submarinos conduzem a energia dos dados. Cada clique é um ato logístico. Cada dado, uma matéria-prima.
Talvez precisemos de uma nova arquitetura política para esses tempos: uma que reconheça as cúpulas invisíveis onde habitamos, os hubs digitais que nos governam sem nome, e a necessidade urgente de reocupar as praças — sem ingenuidade, mas com vigilância crítica. Pois como nos ensina Ferguson, as torres sempre retornam. E como nos adverte Sloterdijk, toda esfera que protege também pode sufocar.
Fonte: Citado no texto