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A Máquina de Guerra Eleitoral

Do Feed ao Parlamento

Por Jorge Aziz em 20/04/2025 às 08:52:45

Agenciador esteriótipo

No Brasil de agora, a urna já não é o território soberano da política. O voto, cada vez mais, é apenas o último gesto — a ponta visível de um arranjo invisível, construído em fluxos que escapam às mãos do Estado. Uma pesquisa recente publicada em O Globo revela que 40% dos brasileiros prefeririam hoje alguém "de fora da política" como resultado ideal para as eleições. É o retrato cru de uma democracia órfã de representação e hipermediada por dispositivos digitais.

Mas como entender essa nova topografia do desejo político?

Em O Mundo Codificado, Vilém Flusser já advertia: vivemos sob o império das imagens técnicas, onde o real não se impõe pela experiência direta, mas pela codificação simbólica. E quem domina esse código não são mais os partidos, os sindicatos ou os jornais — mas os algoritmos e os influenciadores, verdadeiros xamãs digitais, operadores de signos que seduzem, convocam, dirigem.

Esses novos xamãs não fazem política como se fazia no século XX. Eles não propõem, eles afetam. São agentes daquilo que Deleuze e Guattari chamaram de máquinas de guerra: estruturas nômades, que se movem fora do eixo centralizado do Estado, operando num espaço liso, fluido, desterritorializado. Influenciadores políticos não tomam Brasília, mas formam bancadas. Não ocupam palanques, mas timelines. E, no entanto, elegem — muitos, em silêncio.

Enquanto isso, o Estado, com sua lentidão molar, tenta reconfigurar suas engrenagens de captura. Guattari nos alerta que o aparelho de Estado não desaparece — ele muta. Ele aprende a sequestrar os fluxos nômades, a incorporá-los como forma de controle. E faz isso por meio de alianças subterrâneas com agenciamentos que habitam a zona cinzenta da legalidade: milícias, tráfico, igrejas neopentecostais de território, "influencers do gueto", redes de poder que elegem seus próprios corpos e impõem seu código nas margens do sistema.

Nas periferias urbanas, o voto não é mais convencido — é capturado. Por vezes, sob ameaça velada. Outras, por promessas concretas que o Estado democrático jamais cumpriu. São as novas formas de micropolítica do medo, da dívida e da dependência. Mas é também a emergência de novos signos, novos corpos, novas subjetividades. De uma política que se faz fora do campo das leis e que escapa a toda métrica institucional.

A ausência de uma linha política coerente e integradora — uma máquina desejante coletiva capaz de pensar o Brasil em sua diversidade profunda — revela-se trágica. O país oscila entre o ressentimento e o pragmatismo, entre o ultraconservadorismo armado e o progressismo esvaziado. Enquanto isso, o que chamávamos de "política" é lentamente absorvido pelo espetáculo da conectividade e pela governança da atenção.

Flusser diria que a política migrou para o plano simbólico da imagem. Deleuze e Guattari nos lembram que os fluxos de desejo não obedecem à razão do Estado, mas às superfícies do desejo. E talvez, entre memes e fake news, entre os influencers que vendem suplementos ou doutrinas, entre stories e promessas instantâneas, resida o novo campo de batalha da democracia — não mais sobre a forma da lei, mas sob a lógica do código.


Referências cruzadas para leitura complementar:

  • Flusser, Vilém. O Mundo Codificado

  • Deleuze & Guattari. Mil Platôs, vol. 2: A Máquina de Guerra

  • Guattari, Félix. As Três Ecologias

  • Sibilia, Paula. O Show do Eu: A intimidade como espetáculo

  • Debord, Guy. A Sociedade do Espetáculo

Fonte: Citada no texto

Corretora
Zion