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O Agro é Pop? O Agro é Mídia. O Agro é Código.

Receptores Objeto

Por Jorge Aziz em 26/03/2025 às 23:29:58

Colheita de grãos

O agro é pop? O agro é mídia. O agro é código.

Nas redes sociais, um vídeo rodopia: imagens bem editadas de campos de soja em Macaé, tratores gigantescos, silos reluzentes, e um drone sobrevoando lavouras como se narrasse uma nova epopeia nacional. A legenda é clara: "Progresso". A trilha sonora é épica. A mensagem, programada.

Por trás dessa estética sedutora está algo mais denso. Como nos alerta Vilém Flusser, em O Mundo Codificado, não consumimos mais imagens — somos consumidos por elas. O vídeo não apenas mostra: ele molda. Molda o comportamento, modela o desejo, silencia a crítica. O receptor vira objeto. E isso, Flusser nos diz, é idolatria.

A idolatria moderna não venera deuses, mas ícones: o trator, o silo, a exportação recorde. É a lógica dos meios funcionando para transformar imagens em fetiches, e não em pontes para o pensamento. O agro, embalado por sua máquina publicitária milionária, não só planta soja, mas cultiva símbolos. E símbolos, quando não decifrados, viram dogmas.

A pergunta que a Coluna Desafio lança hoje é simples e incômoda: o agro é bom para quem?

A resposta passa pelo Congresso Nacional, onde o lobby ruralista floresce mais do que nas próprias lavouras. Passa pela política de crédito e pesquisas subsidiados, pela logística financiada pelo Estado, pelas isenções fiscais e pela escassez de empregos gerados. E passa, principalmente, pela imagem. Porque o agro aprendeu a falar a linguagem dos algoritmos — ele se codificou. Aquilo que parece vantagem para o município é para economia, é o sugador de recursos do Estado.

Mas esse código esconde mais do que revela. A estética do vídeo camufla o desequilíbrio estrutural de um modelo concentrador, predatório e de baixa tributação. O "progresso" não é para todos — é para poucos. A imagem, que deveria ser seta, vira obstáculo. A lógica da idolatria substitui o pensamento.

Flusser nos alerta: estamos diante de uma inversão nociva. Em vez de usar a experiência concreta para interpretar imagens, passamos a usar imagens para interpretar o mundo. Vivemos numa nova caverna de Platão, mas agora iluminada por telas de LED.

Em Macaé, cidade marcada pela complexidade de sua infraestrutura industrial, pela presença do petróleo, das termelétricas, dos portos e agora do agro exportador, o desafio é resistir à sedução da imagem e retomar o lugar da crítica. Precisamos nos perguntar: a quem serve essa imagem? E, sobretudo, o que ela esconde?

A nova imaginação de que fala Flusser não é nostálgica — é exigente. Ela pede um salto: do linear ao adimensional, do visível ao compreendido, do código ao deciframento. E talvez Macaé, nesse entrecruzamento de fluxos e poderes, seja o palco ideal para esse salto.

Porque progresso sem decodificação é retrocesso programado.

Fonte: Citada no texto

Corretora
Zion