O pintor olhava para a tela em branco como quem observa o horizonte esperando uma revelação. Mas sabia, ainda que de forma trágica, que ali não havia nada a ser criado. O acaso governava suas mãos, e ele não era um demiurgo que modela o mundo a partir do caos, mas um sofisticado caçador de encontros, um colecionador de fragmentos que, por pura sorte ou astúcia, sabia reter o instante preciso. — Não há nada de divino na arte — murmurava, enquanto misturava as tintas com gestos lentos. — Tudo é acaso, e tudo é memória. Ele não esperava criar algo novo. Sabia que a estética não é um feito criador, mas uma maneira de discernir o que se apresenta ao olhar. E assim, tal como um espectador diante de um filme projetado sobre sua própria consciência, ele esperava que a tela lhe devolvesse algo que já estava ali, mas que ainda não havia sido visto. O pincel encontrou a tela num gesto impensado. A primeira mancha de cor apareceu como um equívoco que, na medida em que se expandia, se tornava inevitável. O pintor recordou-se de Rosset: a arte não é a fuga ao acaso, mas sua celebração. Não há criação, apenas o momento oportuno em que o artista intercepta um vestígio, um resquício de mundo que se inscreve na superfície do visível. — A pintura não é minha. Ela já estava aí — sussurrou para si mesmo, observando as formas tomarem corpo como se brotassem do próprio tecido da tela. A tragédia da arte, pensava ele, estava em seu caráter ilusório. O espectador crê na obra como algo criado, quando na verdade ela é um recorte arbitrário, uma seleção de imagens que transitam no campo da visibilidade. Seu ofício era apenas o de um montador de cinema que sabe interromper a projeção no instante certo, o de um escritor que, ao tomar os livros dos outros, guarda em sua mente apenas aquilo que ressoa. Ao final do dia, o pintor recuou alguns passos e contemplou a obra. O quadro se erguia diante dele como um espelho turvo. Era ao mesmo tempo pensado e impensado, fruto de uma gramática invisível que ordenava os gestos, mas sem determiná-los. Ele compreendeu, então, que não havia método, não havia intenção pura, apenas um jogo de antecipação e retenção — prever, pelo exercício, os bons encontros; e saber, no instante preciso, reter o que merece ser salvo do fluxo caótico das imagens. Com um sorriso discreto, assinou no canto inferior. Não como um criador, mas como um cúmplice do acaso.
A visão dos céticos e sofistas sobre a criação Os sofistas e os céticos históricos tinham uma visão peculiar sobre o conceito de "criação", especialmente quando relacionado à estética, à linguagem e ao conhecimento.
1. Sofistas: Para os sofistas da Grécia Antiga, como Protágoras e Górgias, a ideia de criação não era absoluta, mas relativa à convenção e à persuasão. O famoso princípio de Protágoras, "O homem é a medida de todas as coisas", sugere que a criação não se dá como um ato ontológico (trazer algo do nada), mas como uma construção discursiva. Para Górgias, que questionava até a existência do ser, a criação era antes uma manipulação da linguagem, uma fabricação de sentidos, um jogo retórico no qual o convencimento importava mais do que a verdade.
2. Céticos: Já os céticos antigos, como Pirro de Élis e Sexto Empírico, evitavam qualquer afirmação categórica sobre a criação. Para eles, a impossibilidade de conhecer a verdade última das coisas levava à suspensão do juízo (epokhé). O cético não pode afirmar que algo foi verdadeiramente "criado", pois toda percepção da realidade está sujeita à dúvida e à subjetividade. Nesse sentido, a "criação" pode ser apenas uma ilusão, um resultado de nossas interpretações arbitrárias do mundo. Ambas as correntes, sofística e cética, desafiam a ideia clássica de criação como um ato original e absoluto. Em vez disso, enfatizam a contingência, a retórica, a relatividade e o acaso como os verdadeiros motores do que chamamos de "criação". Etimologia da palavra "criação" O termo criação vem do latim creatio, derivado do verbo creare, que significa "fazer crescer, produzir, gerar". A raiz cre- está relacionada à ideia de crescimento e desenvolvimento, aparecendo em palavras como crescere (crescer) e crescimentum (crescimento). No contexto filosófico e teológico, a ideia de "criação" evoluiu para designar tanto a produção artística e intelectual quanto a criação divina, como no conceito cristão de creatio ex nihilo (criação a partir do nada). No entanto, os sofistas e céticos tenderiam a rejeitar essa última noção, enfatizando que nada realmente "nasce do nada", mas sim emerge de processos de transformação e interpretação. Em resumo, a visão sofística e cética sobre a criação não a vê como um ato absoluto ou transcendental, mas como um processo retórico, perceptivo ou aleatório, onde a "novidade" é mais uma ilusão do que uma realidade.