É Fevereiro nos trópicos. O termômetro marca 28ºC. Uma brisa nordeste sopra do mar, trazendo um alívio sutil ao calor que a terra irradia. O céu está aberto, quase sem nuvens. Dentro de casa, junto à janela escancarada, ele se recosta no sofá, permitindo que a luz e o vento o encontrem. Sobre a mesa ao lado, uma garrafa de cerveja repousa, perolada pelo frio, enquanto Miles Davis solta o trompete em The Man I Love. O tempo se oferece como uma degustação refinada, onde o prazer se desdobra em camadas sensoriais.
Com um gesto despreocupado, recolhe o jornal que fora deixado no jardim. Não o abre. Já supõe o que ele tem a oferecer e, naquele instante, não quer certezas previsíveis. Busca algo mais completo, algo que o absorva na plenitude do momento. Entre um gole da cerveja amarga e o salgado das castanhas, sente a textura do tempo escorrendo entre os dedos, como areia fina que se molda ao vento.
No sofá, um livro repousa: Plataforma, de Michel Houellebecq. Um marcador denuncia a pausa na página 225. Sobre ele, um Kindle aberto em Medo, Reverência e Terror, de Carlo Ginzburg, parado na página 126. Mas as palavras podem esperar. Hoje, o pensamento não pede esforço, mas fluidez.
Liga a televisão. Busca algo que ressoe com seu estado de espírito. Encontra uma reprise de um jogo do Brasil sub-20 contra a Colômbia. O placar já definido, a emoção já gasta. Troca de canal. Two and a Half Men surge na tela. O humor sarcástico, provocador, flerta com a hipocrisia cotidiana. Ali, na caricatura mordaz dos personagens, encontra um espelho irônico da existência. A tragédia e a comédia se entrelaçam como um tango melancólico, onde o desejo é sempre um jogo de sombras e a alegria de um é a tristeza de outro. Enquanto ri, relê mentalmente Bauman. A modernidade líquida desliza entre os diálogos e os copos de uísque do seriado.
— Oi — diz a voz vinda da cozinha. — Não teremos mais visitas para o almoço. Agora somos só nós dois. Alguma sugestão?
Ele sorri, ainda imerso na cadência dos pensamentos.
— O que você faz é sempre bom. Escolha algo que não te exija muito esforço.
A série termina. Muda o canal. O tênis toma conta da tela. Alex de Minaur e Carlos Alcaraz duelam na final do circuito belga de 2025. O terceiro set está acirrado. A plasticidade dos movimentos o fascina. Cada golpe, um cálculo exato entre força e delicadeza. No final, Alcaraz ergue a taça.
O domingo avança. Ele se entrega à contemplação. Sai ao jardim. As mãos tateiam a gramínea, separando brotos de trevos das espécies intrusas. O calor exige água, e ele rega as orquídeas, que respiram o frescor das gotas. Canários-da-terra, bem-te-vis e sanhaçus pousam nos arbustos, gorjeando histórias que só eles entendem. O instante se estende como um quadro impressionista, onde cada detalhe se dissolve na unidade do todo.
Na mesa posta, há simplicidade. Carne grelhada, batatas fritas, arroz e farofa de ovos. O trivial que o desejo não reclama. O prazer não precisa de excessos, apenas de presença. A cerveja já se foi, cerca de 1200ml, suficiente para tingir a tarde com um leve torpor de satisfação.
Depois do almoço, a louça lavada. O sofá o espera novamente. O silêncio agora é a única melodia. Sem ruídos, sem urgências. Um vazio pleno, uma paz que não precisa de palavras. Ele fecha os olhos. E o tempo, sempre tão efêmero, por um breve instante, parece aceitar a eternidade.