Mensagem de um náufrago
O mar, imenso e indiferente, carregava consigo uma garrafa. A correnteza brincava com ela, empurrando-a entre as ondas, até que, finalmente, depois de anos – ou séculos? – alguém a encontrasse.
O leitor, um homem já marcado pelo tempo, caminhava solitário pela praia, sentindo a areia fria sob os pés descalços. O vento trazia um cheiro de sal e um silêncio que parecia antigo. Foi então que viu a garrafa. Curioso, pegou-a e, com certa hesitação, retirou o pequeno pergaminho guardado em seu interior.
As palavras eram de outro tempo, mas falavam do seu. Adorno escrevera uma mensagem ao mundo que viria depois, sem saber quem a leria, sem imaginar se sua advertência ainda faria sentido quando chegasse ao destino. Mas ali estava ela, em suas mãos, viva e pulsante.
"A civilização prometeu liberdade e entregou clausuras. Prometeu razão e construiu um mundo insensato. A modernidade, que deveria nos emancipar, produziu novas formas de servidão. O sonho de um amanhã justo foi sequestrado por estruturas que nos fazem reféns do hoje eterno. O futuro tornou-se uma miragem."
O homem fechou os olhos. Reconhecia essas palavras, embora escritas num tempo em que ainda se acreditava que a História se moveria em direção à redenção. Bauman, pensou ele, já sabia o que Adorno prenunciara. Sabia que a modernidade era líquida, que a solidez dos valores que sustentaram gerações estava se desmanchando, que os alicerces da cidadania universal ruíam não porque falharam, mas porque nunca foram tão firmes quanto se acreditava.
A garrafa, lançada ao mar num gesto de desespero ou esperança, chegava agora num mundo onde as utopias se dissipavam. Não era lamento, tampouco frustração. Era constatação. A modernidade havia prometido a liberdade do indivíduo, mas o acorrentara à incerteza. As instituições que sustentavam a crença num futuro melhor eram agora espectros, incapazes de oferecer segurança ou sentido.
O leitor guardou a mensagem no bolso e fitou o horizonte. Ali, diante da vastidão do oceano, compreendeu que a modernidade não fracassara. Simplesmente se revelara pelo que sempre fora: um projeto inconcluso, sustentado por promessas que jamais poderiam ser cumpridas.
Então, com um suspiro resignado, mas sem amargura, ele devolveu a garrafa ao mar.
Talvez, em outro tempo, alguém a encontrasse novamente. E, talvez, quando isso acontecesse, aquelas palavras ainda fizessem sentido.
Fonte: Vida Líquida , Zygmunt Bauman