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A Iconografia Política

Da micro-historia à meta-política digital da extrema-direita

Por Jorge Aziz em 30/01/2025 às 17:58:45

Iconografia - Pinterest.com

A política sempre foi mais do que palavras e leis; ela é também imagem, símbolo e narrativa. Desde os bustos imperiais de Roma até os cartazes revolucionários do século XX, a iconografia política tem sido usada para construir identidades, criar mitos e consolidar o poder. Mas, se em outros tempos os símbolos estavam restritos a estátuas, bandeiras e pinturas, hoje eles se multiplicam de forma difusa e viral nas redes sociais, assumindo novas camadas de significado e transformando a disputa política em um campo visual e emocional.

Poucos estudiosos captaram essa relação entre política, imagem e narrativa como Carlo Ginzburg. Nos anos 1970, o historiador italiano revolucionou a forma de ler a história ao propor um método que resgata pequenos indícios, pistas visuais e fragmentos narrativos para compreender processos históricos mais amplos. Ginzburg demonstrou que a iconografia política não é apenas um reflexo da realidade, mas um instrumento ativo na construção da percepção política.

Por ironia da história, essa mesma abordagem que ajudou a revelar as estratégias de dominação cultural no passado foi apropriada e refinada pela extrema-direita contemporânea, que percebeu o poder da imagem e da metanarrativa para moldar o imaginário coletivo.

Dos Cartazes Revolucionários às Redes Sociais: A Apropriação da Iconografia pela Extrema-Direita

Nos anos 1970, Ginzburg ajudou a consolidar a ideia de que a política não se faz apenas nos palácios ou nos parlamentos, mas também nos signos visuais, nos rituais e na cultura cotidiana. Sua abordagem micro-histórica mostrou como pequenos elementos simbólicos – como gestos, roupas e slogans – podem carregar significados profundos e transformar-se em ferramentas de poder.

Foi exatamente essa lição que a extrema-direita assimilou nos últimos anos. Enquanto a esquerda tradicional utilizava a arte, os movimentos sociais e a academia para construir uma hegemonia cultural, a nova direita trouxe essa disputa para a esfera digital, transformando memes, vídeos e ícones religiosos em armas políticas.

Se antes a esquerda usava a figura do operário com o punho cerrado como símbolo da luta de classes, hoje a extrema-direita propaga imagens de Trump como um cruzado cristão, Bolsonaro como um Messias ou Orban como defensor da civilização europeia. O significado dos símbolos políticos foi ressignificado e deslocado para um novo campo de batalha: o digital.

Meta-Política e a Multiplicação Difusa do Poder Simbólico

A ascensão da meta-política é a chave para entender esse fenômeno. Concebida originalmente por Alain de Benoist e a Nova Direita Francesa nos anos 1970, a meta-política propõe que a disputa pelo poder deve ser precedida por uma batalha cultural. A ideia é simples: antes de tomar o Estado, é preciso dominar o imaginário popular, impondo novas narrativas e símbolos que reestruturam o senso comum.

Foi exatamente essa estratégia que o trumpismo aplicou com maestria. A campanha de Trump não foi apenas eleitoral, mas cultural, repleta de símbolos, slogans e imagens poderosas que mobilizaram milhões de pessoas. "Make America Great Again" não era apenas uma frase, mas um símbolo visual e emocional, reproduzido em bonés vermelhos, outdoors e hashtags que viralizavam na internet.

Essa mesma estratégia foi replicada no Brasil por Bolsonaro, na Hungria por Orbán e na Itália por Giorgia Meloni. A meta-política tornou-se uma ferramenta global, impulsionada pela fragmentação das redes sociais e pela erosão da credibilidade da imprensa tradicional.

As Redes Sociais: O Novo Campo de Batalha da Iconografia Política

Na era digital, a iconografia política não se limita mais a cartazes, fotografias ou estátuas. Agora, ela se multiplica em GIFs, memes, vídeos curtos e imagens virais que circulam de forma descontrolada e imprevisível.

A estratégia da extrema-direita na internet não é apenas difundir informações, mas criar emoções e reforçar identidades políticas por meio da iconografia digital. Isso explica o uso recorrente de imagens de líderes em poses heroicas, do exagero nas expressões faciais de adversários políticos e da ressignificação de ícones religiosos e militares.

Ao mesmo tempo, essa multiplicação difusa da meta-política digital confronta diretamente a imprensa tradicional, que se vê incapaz de competir com a velocidade e a carga emocional das redes. Enquanto um artigo jornalístico leva horas para ser escrito e revisado, um meme distorcendo uma notícia pode viralizar em minutos.

Conclusão: A Nova Iconografia Política e o Futuro da Disputa Cultural

A extrema-direita compreendeu melhor do que qualquer outro grupo político contemporâneo que a batalha pelo poder não se faz apenas com votos, mas com símbolos, emoções e narrativas visuais. O fenômeno do trumpismo, do bolsonarismo e da nova direita europeia mostra que a política tradicional não pode mais ignorar a força da iconografia digital.

Se Ginzburg analisava como pequenos indícios podiam revelar grandes estruturas de poder, hoje é possível ver como pequenos elementos visuais – um meme, um emoji, um slogan – podem transformar-se em vetores poderosos da meta-política contemporânea.

O desafio para a democracia e para o jornalismo é encontrar formas de combater essa nova iconografia política, sem cair na armadilha de simplesmente replicá-la. No mundo digital, quem controla a imagem, controla a narrativa. E quem controla a narrativa, pode controlar o futuro.

Corretora
Zion