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O professor Aziz caminhava pelo pátio vazio da universidade. O som de seus passos ecoava nos corredores desertos, onde antes ressoavam vozes inflamadas de estudantes que acreditavam no futuro. Mas o futuro, pensava ele, era agora um espectro. Ele havia sido forjado nas lutas, carregado pelo vento da história, mas tudo o que via ao seu redor era entulho – não o entulho que constrói, mas o que resta depois de uma implosão.
Neto de sírios, filho de uma geografia sem fronteiras definidas, carregava consigo a memória de exílios e reconstruções. Seu avô, que um dia cruzara oceanos fugindo de um império em colapso, acreditava que a terra sempre se refazia. Mas Aziz já não sabia se o mesmo valia para os homens. Ele lembrava dos anos de militância, das noites em claro em assembleias, dos livros de Marx sublinhados com a fúria dos que querem mudar o mundo. Agora, sentia-se como um eco do passado, repetindo-se em um presente surdo.
Foi então que encontrou refúgio na literatura. Camus tornou-se um companheiro de exílio. O Mito de Sísifo abriu-lhe uma fenda na desesperança, uma nesga de compreensão. Um dia, folheando o livro, parou no trecho de A Conquista:
"A consciência de um homem liberto brilha em todo o seu esplendor na luz fria da manhã. Mas o que resta depois da noite?"
Aziz fechou o livro e, como um velho hábito de professor, formulou suas três questões:
O que o Autor diz?
Camus dizia que a busca humana é absurda. Que o homem quer sentido, mas o universo não responde. A busca por justiça, liberdade, dignidade – todas elas colidem contra o silêncio da história. Ainda assim, dizia Camus, era preciso continuar, empurrar a pedra montanha acima, mesmo sabendo que ela rolaria de volta.
O que o Autor me diz?
A democracia ruíra como um castelo de areia. A crença no progresso era uma fábula. Tudo o que ele construíra, os movimentos, as greves, as reformas, tornaram-se espectros de um tempo que já não voltaria. Mas, se Sísifo não desistia, ele também não poderia se dar ao luxo do cansaço absoluto. A ilusão havia morrido, mas talvez restasse a beleza de um gesto.
O que o Autor me faz dizer?
Aziz levantou-se e pegou um giz. Andou até o quadro negro da sala vazia e escreveu em letras firmes:
"Eu sou Sísifo. Mas sou também o vento que empurra a pedra. Se não há sentido, há ainda o ato. Se tudo se desfaz, há ainda a palavra."
O quadro permaneceria ali até que alguém apagasse, até que o tempo o tornasse pó. Mas enquanto houvesse um traço de giz, haveria resistência. E talvez, pensava Aziz, isso fosse o suficiente.
Fonte: Citada no corpo do texto