O Amor e o Absurdo

Dilemas do amor

Por Jorge Aziz em 23/01/2025 às 20:35:07

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Conto de ficção romântico

O bar do hotel tinha um charme desgastado, uma aura de grandeza decadente que combinava com as ondas preguiçosas do Atlântico lá fora. As luzes âmbar projetavam sombras longas sobre as garrafas de vinho alinhadas na prateleira, e a brisa marinha entrava pela grande sacada aberta, misturando-se ao cheiro de rum e madeira envelhecida.

Sentados à mesa, dois homens brindavam. Lorenzo e Enrico eram amigos desde a juventude em Milão, mas agora estavam em Fortaleza, compartilhando uma garrafa de um tinto robusto da Sicília, como se precisassem reafirmar, mesmo a milhares de quilômetros de casa, que suas raízes ainda eram sólidas.

Lorenzo, de terno claro e colarinho desabotoado, sorria com a facilidade dos que aprenderam a navegar a vida sem âncoras. Sempre envolvido em algum romance fugaz, era um sedutor nato, mas sem a vulgaridade dos que caçam conquistas por mera estatística. Ele vivia o instante, amava o efêmero, e sua crença no absurdo era quase religiosa.

Enrico, por outro lado, trazia no olhar um brilho diferente — a serenidade dos que escolheram a estabilidade. Casado há anos, apaixonado pela mesma mulher, defendia que o amor verdadeiro era uma construção, uma aposta contra a passagem do tempo. Ainda assim, ao olhar para o amigo, sentia uma pontada de inveja não declarada.

— Brindemos ao amor, Lorenzo! — Enrico ergueu a taça. — Ainda que o vejamos de formas distintas.

Lorenzo riu, girando o vinho no copo antes de beber um gole lento.

— Brindemos, caro Enrico! Mas que amor? O seu ou o meu? O amor que se constrói ou o que se queima como fogo de artifício?

Enrico suspirou.

— O seu amor me parece um jogo de Sísifo. Sempre empurrando a pedra ladeira acima, sabendo que ela rolará de volta. E mesmo assim, você insiste, como se cada nova mulher fosse a resposta definitiva para um desejo que nunca se sacia.

Lorenzo pousou a taça, apoiando-se na mesa com um sorriso enviesado.

— E o seu amor, Enrico? Um pacto faustiano? Você acredita o suficiente no amor eterno para se vender à segurança de uma vida previsível?

O garçom passou ao lado, deixando uma garrafa nova. Lorenzo a abriu sem cerimônia, servindo os dois.

— Mas me diga, Enrico, você nunca sente falta da vertigem? Do frio na barriga ao ver um novo rosto que pode mudar sua vida? Do primeiro beijo, do mistério do desconhecido?

Enrico deu um gole, pensativo. O vinho desceu quente, e ele olhou para a sacada, onde a lua prateava o oceano.

— A vertigem é sedutora, Lorenzo, mas também enganosa. O amor não está na promessa do desconhecido, mas na intimidade do que se constrói. Na cumplicidade, no cheiro familiar pela manhã, no silêncio compartilhado sem pressa. O desejo pode arder, mas o verdadeiro amor aquece.

Lorenzo sorriu com indulgência.

— Belo discurso, meu amigo. Mas eu prefiro meu amor absurdo. Um amor que não pede promessas, que não teme o tempo. O amor como um ato de revolta contra a finitude. Camus dizia que o homem absurdo é aquele que sabe que a vida não tem sentido, mas ainda assim encontra prazer em vivê-la. Eu sou esse homem.

Enrico riu, balançando a cabeça.

— Então você é um Dom Juan filosófico?

Lorenzo ergueu a taça em concordância.

— Exato! Não um conquistador vulgar, mas um amante do instante. Porque a única eternidade que temos é agora.

O relógio no bar marcava quase meia-noite. Um grupo de turistas alemães ria alto no canto, e a cidade lá fora pulsava com promessas de uma noite sem fim.

— E você, Enrico? Se pudesse voltar no tempo, escolheria outra vida?

O amigo hesitou por um momento, mas depois sorriu.

— Não. Porque, no fim, todos vendemos nossa alma para algo. Alguns ao desejo, outros à segurança. Mas cada um tem o seu diabo. E eu fiz as pazes com o meu.

Lorenzo ergueu a taça uma última vez, como quem respeita um adversário digno.

— A cada um, seu inferno.

E beberam, enquanto as ondas, indiferentes às paixões humanas, continuavam seu vaivém eterno.

Fonte: Albert Camus, O Mito de Sísifo. 33ªed. 2004

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