Abstratismo -Pinterest.com
1. Nossas raízes institucionais: uma breve história
O federalismo brasileiro tem raízes históricas profundas, ligadas à Monarquia e à lógica de descentralização territorial. Durante o período colonial, a Coroa Portuguesa, impossibilitada de administrar diretamente vastas extensões de terra, delegou o poder a oligarquias locais, compostas por grandes proprietários de terras e escravistas. Esses grupos assumiram a responsabilidade pela defesa e colonização do território, dando início à estruturação do governo e à formação do Estado Nacional.
Com a independência do Brasil em 1822, a centralização do poder tornou-se uma questão crítica. A reforma constitucional de 1834 reforçou a concentração de autoridade no Imperador, favorecendo os interesses dos produtores de café do Rio de Janeiro, então principal província exportadora e maior contribuinte fiscal. Essa aliança entre burocratas e exportadores consolidou a monarquia como um regime forte.
No entanto, a expansão do cultivo do café para São Paulo alterou essa dinâmica, impulsionando a descentralização do poder. Os empresários paulistas viam o centralismo como um obstáculo ao desenvolvimento das províncias mais produtivas, o que resultou na construção de um federalismo que sustentou o poder privado das oligarquias, aprofundou desigualdades e fortaleceu hierarquias sociais e econômicas.
Com a Proclamação da República em 1889, os estados brasileiros emergiram como unidades politicamente fortes, diferentemente de outros países latino-americanos como México e Argentina. Eles tinham autonomia para elaborar códigos civis próprios, contrair empréstimos no exterior e vender títulos internacionais, o que frequentemente impunha custos elevados ao governo central, levando-o ao endividamento para honrar compromissos externos. Além disso, os estados mantinham exércitos próprios: em 1925-26, por exemplo, São Paulo possuía uma força militar de 14.000 homens e sua própria academia militar com assessoria internacional. Mesmo durante o Estado Novo (1937-1945), os estados conservaram poder significativo, arrecadando mais de 50% dos impostos federais entre 1931 e 1945.
A base do poder local permaneceu vinculada à propriedade da terra. Com grandes extensões territoriais, populações dispersas e infraestrutura precária, estados e municípios desenvolveram formas independentes de poder, reforçando o regionalismo brasileiro. Até hoje, as diferenças econômicas, sociais e políticas entre as regiões permanecem evidentes. O Nordeste, por exemplo, que abriga cerca de 30% da população, contribui com apenas 14% do PIB nacional. A decadência do ciclo da cana-de-açúcar, a persistência da pobreza e a influência dos "coronéis" (oligarquias agrárias) mantiveram a dependência da região em relação às transferências de recursos federais.
2. Federalismo e a troca de benefícios
O federalismo brasileiro resultou em um sistema político baseado na troca de benefícios particularistas entre o Executivo e o Congresso. Programas de auxílio ao Nordeste, por exemplo, frequentemente resultaram em projetos de infraestrutura que beneficiaram fazendeiros ricos e líderes locais, reforçando redes clientelistas. Nas regiões Norte e Centro-Oeste, caracterizadas por expansão econômica e baixa densidade populacional, redes políticas baseadas no clientelismo dominam, envolvendo parlamentares, governos estaduais e municipais na disputa por repasses federais.
No Sudeste, onde se encontram as principais metrópoles do país, o crescimento urbano e populacional resultou em desafios como violência, precariedade dos transportes e déficit habitacional. A ascensão de novos atores sociais, como facções criminosas, consolidou formas paralelas de governança, que exercem poder sobre comunidades de baixa renda e influenciam o cenário eleitoral.
Já a região Sul, com uma economia agrícola diversificada e uma distribuição de renda relativamente equilibrada, apresenta menores níveis de corrupção e uma burocracia mais eficiente. A política na região, diferentemente de outras partes do país, não é a única atividade econômica rentável, reduzindo a influência de redes clientelistas.
Esse contexto de desigualdade regional e forte tradição federalista explica por que as relações entre governo e sociedade variam significativamente entre os estados. Em algumas regiões, a política é dominada por poucas famílias aliadas a grandes grupos econômicos, enquanto em outras, especialmente no Sul e Sudeste, a competição política é mais diversificada e menos patrimonialista.
3. O sistema federativo e o papel do Congresso Nacional
O federalismo brasileiro tem um caráter pendular, oscilando entre centralização e descentralização ao longo da história. Durante o regime militar (1964-1985), o governo central ampliou significativamente seu poder, enfraquecendo estados e municípios. A Constituição de 1988 buscou reverter esse quadro, fortalecendo governos estaduais e municipais e ampliando suas fontes de arrecadação fiscal.
Contudo, essa redistribuição de recursos ocorreu sem a correspondente transferência de responsabilidades administrativas, resultando em uma descentralização financeira, mas não necessariamente política. Estados mais ricos se tornaram menos dependentes dos repasses federais, enquanto os mais pobres continuam a sobreviver exclusivamente com verbas da União.
O modelo federativo brasileiro apresenta distorções na representação política. O Senado, por exemplo, concede a cada estado três senadores, independentemente da população, o que gera uma desproporcionalidade significativa. Em Roraima, com cerca de 500 mil habitantes, um voto tem peso 100 vezes maior do que em São Paulo, com mais de 40 milhões de habitantes. Essa distorção permite que senadores representando menos de 10% da população possam bloquear legislações apoiadas por mais de 80% dos brasileiros.
Na Câmara dos Deputados, a distorção também se manifesta. Nenhum estado pode ter menos de oito ou mais de 70 representantes, o que beneficia estados menos populosos em detrimento dos mais povoados. Dessa forma, a distribuição de cadeiras não reflete proporcionalmente o peso demográfico de cada unidade da federação.
4. O papel dos partidos políticos e o clientelismo
Os partidos políticos brasileiros historicamente funcionaram como canais de relações clientelistas, negociando cargos e benefícios em troca de votos. Durante o século XIX, Conservadores e Liberais monopolizavam o cenário político sem diferenças programáticas significativas. Mesmo após a Proclamação da República, a lógica da patronagem continuou a dominar as instituições políticas.
No século XX, com a expansão do Estado, a política de patronagem se adaptou à industrialização, incorporando novos atores econômicos, como banqueiros e industriais, que passaram a disputar subsídios e incentivos estatais. Esse modelo resultou na hipertrofia do Estado e no aumento da corrupção.
O sistema eleitoral brasileiro, baseado na representação proporcional de lista aberta, acentua a fragmentação partidária e enfraquece a fidelidade partidária. Deputados são eleitos individualmente, e não por programas partidários, o que dificulta a construção de coalizões estáveis e favorece a personalização da política.
A ausência de partidos institucionalizados resulta em uma arena legislativa dominada por bancadas de interesses. Grupos como a bancada ruralista, a bancada evangélica, a bancada da segurança pública ("bancada da bala") e a bancada empresarial operam de forma autônoma, frequentemente ignorando as diretrizes partidárias.
Barry Ames (2003) introduziu o conceito de "veto players", destacando que a moeda de troca na política brasileira são as emendas parlamentares, utilizadas para garantir o apoio de deputados e senadores ao governo. Essas emendas financiam obras e serviços nas bases eleitorais dos parlamentares, garantindo-lhes apoio político e eleitoral, perpetuando a lógica da patronagem.
5. Conclusão: desafios para a reforma política
O federalismo e o sistema eleitoral brasileiro favorecem a fragmentação partidária, o clientelismo e a corrupção. Reformas como a adoção do sistema eleitoral distrital misto, inspirado no modelo alemão, poderiam fortalecer os partidos, reduzir custos de campanha e aumentar a responsabilização dos representantes. No entanto, tais mudanças esbarram nos interesses da elite política, que se beneficia das regras atuais.
A modernização do sistema político brasileiro exige não apenas reformas institucionais, mas uma mudança estrutural na relação entre eleitores e seus representantes, para que a política deixe de ser um negócio privado e passe a refletir verdadeiramente os interesses coletivos da sociedade.
Fonte: Citada no corpo da matéria