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Política e Religião

Diálogo entre o sagrado e o poder

Por Jorge Aziz em 21/01/2025 às 18:07:59

Celebração religiosa : arquivo Pinterest e.com

A relação entre política e religião é um tema de longa data, atravessando séculos de conflitos, alianças e transformações sociais. Embora, à primeira vista, pareçam esferas distintas – uma voltada ao íntimo do ser e outra à organização coletiva –, a interdependência entre elas se manifesta de forma inegável na história. A política questiona, provoca e impõe desafios às igrejas e aos fiéis, enquanto as instituições religiosas, por sua vez, difundem valores morais e sociais que informam a vida pública. Mas, afinal, como compreender essa relação no mundo contemporâneo? E como John Gray, em Missa Negra (2007), interpreta esse fenômeno?

Gray, filósofo britânico conhecido por sua crítica ao pensamento iluminista e sua visão cética sobre o progresso, argumenta que a política moderna herdou muito da estrutura das religiões apocalípticas. Para ele, tanto o liberalismo quanto as ideologias revolucionárias carregam traços de uma fé secularizada, prometendo redenção e um futuro idealizado. Assim, o que parece uma separação entre política e religião é, na verdade, uma continuidade sob novas formas. Ele ressalta que os grandes movimentos políticos dos séculos XX e XXI, incluindo o comunismo, o neoliberalismo e o fundamentalismo islâmico, compartilham uma estrutura messiânica, onde há a expectativa de um fim redentor, uma salvação coletiva.

Religião e Política: Relação de Interdependência


O pensamento liberal, de maneira geral, prega a separação entre religião e política, considerando a fé uma questão privada. No entanto, na prática, essa separação é mais complexa do que parece. O próprio Estado moderno, mesmo nos regimes laicos, não pode ignorar as igrejas como corpos sociais organizados, que difundem valores, moldam mentalidades e influenciam decisões políticas.


John Gray reforça essa ideia ao argumentar que as ideologias seculares não eliminaram o desejo humano por um sentido transcendente, mas o canalizaram para outros espaços. O liberalismo e o marxismo, por exemplo, operam como novas religiões, com suas narrativas de redenção e promessas de um futuro melhor. Essa visão dialoga com o argumento do texto de base: as igrejas não são apenas espaços de culto, mas instituições que interferem diretamente na vida pública, seja pela formulação de valores éticos, seja pela mobilização política de seus seguidores.

O Desafio das Modernidades e o Papel das Igrejas

O mundo moderno impõe desafios constantes às religiões, provocando rupturas, recusas e conflitos, mas também estimulando novas formas de atuação. A ascensão do fundamentalismo religioso em diversos contextos, por exemplo, pode ser lida como uma resposta ao desencanto com a política secular. John Gray observa que, diante do colapso de ideologias como o comunismo e o liberalismo clássico, muitos indivíduos buscam refúgio em crenças tradicionais, o que fortalece a influência política das religiões.

No entanto, há um ponto em que Gray parece divergir da tese liberal. Enquanto o primeiro sugere que as ideologias modernas são novas formas de religião, a análise clássica sobre política e religião enfatiza a distinção entre as duas esferas, ainda que reconheça sua interdependência. Essa diferença de abordagem levanta uma questão fundamental: a política pode realmente ser vista como uma nova religião? Ou será que a religião, ao longo da história, sempre teve um papel político intrínseco?


Seja como for, o que fica evidente é que a secularização não eliminou o impacto da religião na esfera pública. Mesmo em sociedades laicas, as crenças religiosas continuam a moldar valores, influenciar eleições e determinar debates morais. A ascensão de movimentos conservadores em várias partes do mundo, frequentemente associados a pautas religiosas, demonstra que a separação entre política e fé é menos clara do que o pensamento iluminista sugeria.

Conclusão: Uma Relação em Transformação

O debate sobre política e religião permanece atual e desafiador. Como argumenta John Gray, a política moderna não é um espaço puramente racional, mas está impregnada de crenças e estruturas simbólicas herdadas das religiões. Ao mesmo tempo, nos lembra que as igrejas não são apenas instituições espirituais, mas atores sociais que influenciam diretamente a vida pública.

No século XXI, essa relação continua a se transformar. Enquanto novas formas de espiritualidade surgem e a política se torna cada vez mais polarizada, resta a pergunta: estamos realmente caminhando para uma separação definitiva entre política e religião, ou apenas reinventando antigas narrativas sob novos formatos? O que parece certo é que a interdependência entre esses dois campos persistirá, influenciando sociedades e indivíduos de maneiras que ainda estamos aprendendo a compreender.

Referências

• GRAY, John. Missa Negra: Religião Apocalíptica e o Fim das Utopias. Rio de Janeiro: Record, 2007.



Fonte: Citada no corpo do texto pelo autor.

Corretora
Zion