Ruas desertas
Marlene e Dulce encontraram-se por acaso na padaria da rua principal, uma das poucas ainda frequentadas por antigos moradores. O encontro foi uma surpresa e um alívio.
— Até que enfim vejo uma cara conhecida! — exclamou Marlene, ajeitando os óculos para enxergar melhor a amiga.
Dulce sorriu, mas logo sua expressão se tornou sombria.
— De fato, a cidade mudou muito. Não reconheço mais ninguém. Só vejo estranhos, e isso me assusta
Elas pediram café, mas o sabor parecia diferente. Ou talvez fosse a cidade que, pouco a pouco, perdera seu gosto.
— Outro dia fui ao centro depois do expediente e aquilo lá virou um deserto. Só moradores de rua. Parece uma cidade fantasma. — Dulce mexia distraidamente no açucareiro.
— Todos os conhecidos foram embora, se trancaram nos condomínios. Os que ficaram, já não saem de casa. Antigamente, a gente caminhava sem medo. Agora — Marlene deixou a frase no ar, como se até as palavras tivessem medo de se manifestar.
O progresso prometia segurança, mas trouxe insegurança. Os investimentos cresceram, as fábricas chegaram, e com elas vieram os forasteiros. Trabalhadores sem instrução, sonhadores sem amparo. E junto deles, os invisíveis: os que não encontraram um lugar na engrenagem, os que perambulavam pelos sinais de trânsito oferecendo balas ou estendendo as mãos vazias.
— Não consigo mais abrir o vidro do carro. Sempre tem alguém pedindo, vendendo, insistindo Eu tenho medo.
Marlene assentiu, compreendendo. O medo era a única coisa que compartilhavam agora.
O café esfriava na xícara enquanto elas reviviam tempos passados, lembranças de quando as ruas eram lugares de encontros, e não de ameaças. Mas o passado era uma cidade distante, inalcançável, cujas ruas foram demolidas pela modernidade líquida.
A vida se dissolvera, os laços se afrouxaram, e tudo escorria por entre os dedos como água morna.
— Outro dia, minha neta me disse que faz mercado só pelo celular. Nem ao supermercado ela vai mais. Você acredita?
Dulce riu, mas era um riso seco.
— Eu acredito, sim. Daqui a pouco, a gente só vai ver os vizinhos pelo monitor das câmeras de segurança.
E então, por um instante, as duas se calaram.
Lá fora, a cidade pulsava, viva, indiferente às suas angústias. Novos rostos passavam, carregando esperanças ou fardos invisíveis. Talvez, para eles, aquela cidade fosse um lugar de possibilidades.
Mas para Marlene e Dulce, ela já não existia mais.
Fonte: Modernidade Líquida, Zygmunt Bauman