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O professor entrou na sala com um mapa e um globo terrestre nas mãos. A turma, composta por estudantes da Educação de Jovens e Adultos, se ajeitou nas cadeiras, sem muito alarde. A comunidade onde viviam, na periferia de Adhara — cidade que levava o nome de uma estrela —, estava distante de muitas certezas, mas não de perguntas.
— Um suposto planeta Terra — disse ele, pausadamente.
O silêncio se quebrou com a inquietação de uma aluna:
— Mas por que nos perguntarmos sobre isso?
Outro aluno, de braços cruzados, contestou:
— Deus criou o mundo. Não importa sua forma. O que isso me acrescenta?
— O planeta é o lugar onde vivemos, aprendemos com ele! — afirmou uma terceira voz.
— Não, aprendemos uns com os outros. A Terra é só o lugar! — rebateu um quarto.
— Mas precisamos cuidar dela! — reforçou outro estudante, e, assim, novos argumentos se seguiram.
O professor, observando o fervilhar de ideias, sorriu. Deixou que as palavras ressoassem no ambiente antes de lançar um desafio:
— Como um navio atravessa o oceano e consegue chegar, do outro lado do mundo, a um porto seguro? Como um foguete encontra seu caminho até a Lua?
Houve um breve silêncio.
— Alguém aqui conhece um pescador? Já se perguntaram como ele navega em alto-mar e consegue voltar para casa?
Os olhares se entrelaçaram, agora atentos.
— E um carteiro? Como ele consegue entregar cartas no endereço certo?
Os alunos se entreolharam, sem respostas definitivas. O professor continuou:
— Vamos descobrir juntos. Quero que se dividam em grupos de até cinco pessoas. Um integrante anotará as ideias do grupo e destacará opiniões divergentes. Depois, apresentaremos os resultados. Vocês terão vinte minutos.
A sala se encheu de vozes. Os pequenos grupos discutiam, gesticulavam, trocavam hipóteses. Quando o tempo se esgotou, o professor chamou os relatores. Um a um, expuseram as conclusões.
Enquanto ouvia, o professor anotava no quadro as ideias contrastantes. Por fim, voltou-se para a turma:
— Estamos construindo nosso mundo, nossa Terra. Pois ela só existe para quem a vê e a sente. O que nossos olhos não alcançam, emprestamos da imaginação. Depois, vamos renomeando o que nos rodeia, conforme ele se apresenta a nós.
Um aluno, inquieto, levantou a mão:
— Mas deve haver uma resposta certa para tudo, não?
O professor sorriu, surpreso com a precisão da pergunta.
— É isso que devemos descobrir.
E o diálogo persistiu.
Os olhos agora fitavam o globo e o mapa.
— E quem fez isso? Como conseguiram anotar tantos nomes e colorir cada parte de uma cor?
— Parece uma bola perfeita — comentou um dos alunos, girando o globo entre os dedos.
— Mas o mapa Ele é plano, e ainda assim tem os mesmos nomes e cores da esfera. Como isso é possível?
O professor apenas observava. O mistério da representação do mundo se desenhava entre palavras e gestos. Aos poucos, os alunos iam compreendendo que a Terra não é apenas um espaço físico, mas um território de ideias, um lugar que se constrói na experiência e na percepção.
O exercício, que começou como uma investigação, tornou-se uma criação. As narrativas dos alunos transbordaram para além da geografia: viraram histórias, metáforas, pequenas poesias espontâneas. Já não havia a rigidez da institucionalidade mecanicista, aquela que exige respostas prontas.
No final da aula, o professor apontou para o quadro, agora cheio de anotações e descobertas.
— Este painel é a prova de como vocês constroem suas opiniões sobre o mundo. E assim como hoje, a cada encontro lançarei um novo desafio. Com o tempo, vocês poderão comparar o que pensavam antes e o que pensam agora. Se descobrirem algo novo, acrescentem. Se mudarem de ideia, refaçam. Afinal, o conhecimento se constrói no movimento.
Ele fez uma breve pausa e prosseguiu:
— Agora, quero que cada um escreva sobre sua experiência com o desafio de hoje. Como foi para vocês? O que sentiram? Essa será a tarefa para casa. E essa redação terá valor — não apenas para mim, mas para cada um de vocês.
A turma assentiu, pensativa.
— Por hoje, é só. Boa noite a todos.
O professor recolheu o mapa, pegou o globo e caminhou em direção à porta. No corredor, outra turma já o esperava. E assim, o mundo seguiria sendo construído, palavra por palavra, encontro por encontro.