BANNER

Último serviço

Homo ludens

Por Jorge Aziz em 15/01/2025 às 16:30:43

O Último Serviço


Naquele fim de tarde, a luz alaranjada pintava as bordas da quadra, enquanto a bola se chocava contra o chão num ritmo quase ritualístico. O último ponto foi jogado e, como se uma linha invisível tivesse sido cortada, os amigos-adversários—ou seriam cúmplices?—se despediram, entregando-se de volta às rotinas que os esperavam além das grades do clube. Mas o jogo, esse nunca termina ali.

Não é apenas esporte, nem mero entretenimento. No interior das linhas brancas, delimitadas como uma espécie de templo efêmero, surge algo mais profundo: um microcosmo que condensa liberdade, conflito, júbilo e dor. O jogo é uma celebração. Um evento que transforma os corpos, os espíritos e, de certa forma, o mundo que o circunda. Há algo de sagrado nesse embate, como se os movimentos dos jogadores fossem uma coreografia cósmica, um rito que transcende os instantes vividos.

Depois que as raquetes descansam, o impacto do jogo reverbera. Nos dias seguintes, ele se infiltra nas conversas, nos gestos, na maneira como eles arrastam as pernas cansadas pelo cotidiano. Um ritual é mais do que ação repetitiva: é recriação, uma participação íntima no próprio ato sagrado. "Methexis", diriam os gregos antigos. É vivência, não imitação. Cada saque, cada devolução de bola, cada erro ou vitória carrega em si algo do eterno, do ciclo natural da gênese e extinção que tanto fascina o ser humano.

Frobenius diria que o jogo captura a alma pelo arrebatamento. O jogador, diante da bola que avança, experimenta uma comoção que não é apenas física. A cada movimento, ele sente a vibração da vida, como um artista capturando o sublime em um instante fugaz. As vozes, os gritos, os risos que ecoaram na quadra não desaparecem; são memórias que persistem como fragmentos de uma peça teatral que se desenrola mesmo depois que o palco é desmontado.

Há também o humor, esse antídoto silencioso contra a seriedade que assombra nossas pretensões. Quando um ponto é perdido de forma grotesca, quando a bola rola para longe, e o jogador solta uma risada quase involuntária, há ali uma ironia fundamental. Não se trata apenas de reconhecer a futilidade do esforço, mas de afirmar a vida apesar dela. Comte-Sponville escreveria que o humor revitaliza a seriedade, desconfiando dela. Ele nos convida a rir de nossas vaidades, a perceber que o drama do jogo é, ao mesmo tempo, grandioso e ridículo.

Mas o jogo também é uma luta contra si mesmo. Cada erro, cada golpe mal executado, é um espelho cruel que não permite fuga. Na solidão da quadra, não há quem culpar, senão aquele que está dentro de você. As dores musculares, o peso das pernas, as frustrações mal digeridas: tudo isso é parte do que se leva para casa, uma lembrança física e espiritual do que significa ser humano.

E então, dois dias depois, eles retornam à arena. Novamente, atravessam as linhas e encaram não apenas o outro jogador, mas também a si mesmos. Lá, na dança entre serviço e devolução, encontram algo que transcende a vitória ou a derrota. É o jogo contra o outro, contra o cansaço, contra o silêncio que se instala quando a bola para de quicar.

O que eles procuram? Talvez nada. Talvez apenas o arrebatamento. E é esse vazio, preenchido por gestos e rituais, que dá sentido às suas vidas.


Corretora
Zion