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Ano de 2074: Macaé a cidade submersa

Uma tragédia evitável?

Por Jorge Aziz em 23/12/2024 às 10:19:35

O futuro das megalópoles


No crepúsculo do ciclo do petróleo, a antiga "capital do ouro negro" tornou-se uma sombra da potência industrial que já foi. Abandonada pelos grandes conglomerados energéticos que migraram para matrizes limpas e renováveis, Macaé permaneceu com os resquícios de sua infraestrutura corroída: plataformas enferrujadas, portos semi-afundados e oleodutos inertes atravessando o horizonte. As esperanças de reinvenção deram lugar ao caos urbano e ambiental.

O rio Macaé, que outrora cortava a cidade como um símbolo de vida, agora é um corpo d"água agonizante, assoreado pelas décadas de desmatamento e pela expansão desenfreada das ocupações irregulares em suas margens. Suas águas, outrora cristalinas, carregam agora uma mistura tóxica de resíduos industriais e domésticos, incapazes de sustentar a fauna aquática que outrora alimentava comunidades ribeirinhas. Pequenos enclaves de sobreviventes disputam violentamente a pouca água potável que resta, extraída de aquíferos subterrâneos em risco iminente de salinização.

A Cidade Fragmentada

O aumento da impermeabilização do solo urbano transformou Macaé em um caldeirão de extremos climáticos. As chuvas torrenciais, exacerbadas pelo aquecimento global, não encontram mais lugar para serem absorvidas. Enormes enchentes transformam ruas e bairros em rios caóticos, destruindo tudo em seu caminho. Quando as águas recuam, deixam para trás montanhas de lixo, doenças e o desespero de uma população desassistida.

Nos períodos secos, as ilhas de calor atingem temperaturas insuportáveis, criando condições de vida que forçam a população a se abrigar em construções improvisadas no subsolo ou em prédios abandonados, tentando escapar do calor abrasivo. O ar é denso e pesado, carregado de partículas finas oriundas da queima de resíduos plásticos, a última fonte de energia acessível para muitos.

Crise Marinha

O oceano, que já foi uma promessa de riqueza e subsistência, agora é um deserto de águas turvas. A superexploração dos recursos marinhos e o vazamento constante de poluentes dizimaram os estoques pesqueiros. Os corais que antes protegiam a costa de erosões sumiram, deixando a cidade à mercê do avanço do mar. Pequenas aldeias costeiras desapareceram sob as ondas, enquanto os habitantes restantes vivem em plataformas improvisadas, flutuando sobre as águas escuras.

Uma Sociedade à Deriva

Com a desintegração das instituições públicas, Macaé tornou-se um arquipélago de microterritórios dominados por facções que controlam os poucos recursos disponíveis. O crime organizado opera como uma forma de governo, organizando distribuição de alimentos e água em troca de submissão e lealdade. As escolas são apenas memórias; a educação deu lugar à luta diária pela sobrevivência.

A crise humanitária é agravada pela chegada de refugiados climáticos, vindos de outras partes do Brasil e do mundo, fugindo de desertos ou cidades inundadas. Esses migrantes encontram em Macaé um espaço hostil, onde a xenofobia e a luta por recursos limitados geram conflitos ainda mais violentos.

Nesse cenário distópico, as ruínas industriais e as paisagens apocalípticas de Macaé ecoam o mundo imaginado por J.G. Ballard. Prédios semidestruídos emergem como monumentos de um passado megalomaníaco, enquanto as águas invadem lentamente o centro da cidade. Antigas torres de extração de petróleo, agora inúteis, servem como marcos para os poucos exploradores que se arriscam em um território em colapso.

A geografia da cidade é cada vez mais moldada pelas mudanças climáticas, transformando Macaé em um laboratório cruel do Antropoceno, como poderia teorizar Bruno Latour. A separação entre natureza e sociedade deixou de existir: rios, mares, montanhas e o próprio clima agora governam a cidade, decidindo onde será possível viver – ou morrer.

Um Futuro de Possibilidades Perdidas

Macaé, em 2074, não é apenas um símbolo da falência de um modelo econômico dependente de combustíveis fósseis, mas também um reflexo sombrio da incapacidade de prever e mitigar os impactos das ações humanas no planeta. As oportunidades para transformar a cidade em um polo de sustentabilidade foram perdidas entre promessas vazias e interesses políticos de curto prazo.

A cidade agoniza, mas resiste. Não com esperança, mas como um aviso para outras cidades litorâneas que ainda podem evitar seu destino.


Fonte: Citada no texto

Corretora
Zion