O projeto de lei nº 182/2024, aprovado pelo Congresso Nacional (Câmara e Senado) institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e traz as principais definições de um sistema de comércio de emissões, também chamado de cap and trade, que impõe limites a grandes poluidores. Nesse sistema de comércio de emissões, os entes regulados recebem permissões para emitir uma certa quantidade de gases poluentes. Quem emitir menos do que sua cota pode vender seu "saldo positivo" para quem exceder seus limites.
O mercado de carbono permite que empresas e países compensem suas emissões por meio da compra de créditos vinculados a iniciativas de preservação ambiental. A ideia do marco regulatório é incentivar a redução das emissões poluentes e amenizar as mudanças climáticas. (Fonte: Agência Senado)
A Câmara fez uma manobra para poder dar a palavra final sobre o marco do carbono, e a proposta acabou se tornando um dos pontos focais na queda de braço entre as duas casas do Legislativo.
Segundo a relatora do projeto no Senado, Leila Barros-PDT-DF, "o projeto trata de uma ferramenta essencial no combate às mudanças climáticas, que além de auxiliar o país no cumprimento de suas metas de emissões perante o Acordo de Paris, protegerá os produtos nacionais da incidência de eventuais taxas sobre as exportações, como no caso do mecanismo de ajuste de fronteira de carbono (CBAM, na sigla em inglês) da União Europeia". (Fonte: Agência Senado).
O mercado regulado de carbono brasileiro deve ter sob seu guarda-chuva entre 4 mil e 5 mil fontes emissoras (leia-se empresas), segundo estudos preliminares do Ministério da Fazenda com base no projeto de lei aprovado pelo Congresso. Hoje, o mercado cobriria cerca de 15% das emissões de GEE do país. "Não é pequeno para economias em desenvolvimento e está alinhado com o de países da América Latina, como Colômbia, Chile e Argentina", diz José Pedro Bastos Neves, coordenador-geral de finanças sustentáveis do Ministério da Fazenda. (Fonte: Agência Senado)
Essa fatia deve ser maior quando o sistema estiver em operação. Os dados mais recentes apontam que o desmatamento responde por quase metade do CO2 lançado pelo Brasil na atmosfera. Caso se atinja a meta de zerar a devastação em termos líquidos – com políticas de controle e a recuperação de áreas degradadas –, a participação dos grandes poluidores deve crescer percentualmente.
Os prós e contras ao projeto aprovado
O resultado final da discussão do texto da Lei no Congresso, segundo alguns especialistas no assunto, como advogado especializado em mercados de carbono e sócio do escritório Tauil & Chequer, é que ele deixou a desejar no assunto principal, o mercado regulado, e sobrou naquilo a que não deveria se ater, o mercado voluntário. Essa distorção aconteceu principalmente na tramitação pela Câmara, onde foram incluídas inúmeras emendas sobre o voluntário. O mercado voluntário atravessa há dois anos uma profunda crise por causa de denúncias de projetos fraudulentos ou que exageraram seus benefícios climáticos.
No mercado voluntário, a comercialização de créditos de carbono não está ligada a obrigações regulatórias e se dá em função de compromissos voluntários de descarbonização das empresas. No caso brasileiro, os créditos negociados no mercado voluntário são gerados principalmente em atividades de preservação de floresta.
O outro ponto são as disposições sobre a exclusão de áreas privadas (proprietários, usufrutuários legítimos e concessionários) dos chamados programas jurisdicionais é um exemplo disso. Nesses sistemas, a contabilidade do carbono leva em conta a área inteira de uma jurisdição – normalmente Estados. Mas, dentro dessa área, pode já haver propriedades privadas com seus próprios projetos de carbono.
O texto aprovado afirma que donos de terras dentro desses programas terão de solicitar essa "saída" dos jurisdicionais ao Conaredd, um órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. O que de certa forma burocratiza o processo ainda mais, sobrecarrega o Conredd, que teria que lidar com demandas complexas, como a exclusão de propriedades privadas de programas jurisdicionais. O que poderá gerar dificuldades administrativas e até impacto na credibilidade do sistema de crédito de carbono, devido ao risco de dupla contagem de emissões.
Além disso, houve mudanças na lei que permitem aos proprietários de terras pleitear receitas de programas jurisdicionais, o que poderá comprometer os ganhos financeiros desses programas, especialmente em regiões como a Amazônia.
Essas emendas refletem tensões políticas e econômicas entre os interesses estaduais, empresariais e ambientais, além de uma dificuldade de consenso de como integrar mercado regulado e voluntários de maneira funcional. Certamente esse texto da lei demandará maiores detalhamentos regulatórios para se tornar operacional e gerar confiança de mercado.
Yuri Rugai Marinho, CEO da Eccon Soluções Ambientais, que desenvolve projetos de carbono, tem uma visão bastante negativa sobre esse aspecto e que não é unânime. Ele acredita que pode haver um desestímulo para os projetos privados baseados na preservação de florestas. "Os REDDs privados vão ter para sair do jurisdicional e isso vai deixar o comprador com medo de estar comprando o seu crédito, porque pode ser que ele já tenha sido vendido pelo Estado", diz. "Imagina o comprador notificando o Estado do Pará: me confirma que a área tal foi excluída?" Se isso se confirmar, diz, as desenvolvedoras de projetos terão que se adaptar e explorar outros segmentos de mercado.
O setor de agropecuária, que teve uma alta de emissões de 3,8%, chegando a 601 milhões de toneladas de CO2 equivalente, contra 579 milhões de toneladas em 2020.Teve o maior incremento percentual desde 2004 (aumento de 4,1%) e representa emissões maiores que as da África do Sul e no Brasil, responde por 25% das emissões de GEE, ficou de fora do projeto de lei.
"Não é o texto perfeito, mas é o possível. Ainda haverá ajustes, mas já é motivo para celebração e um marco na política pública climática", afirma Munir Soares, CEO da Systemica, empresa desenvolvedora de créditos de carbono.
"Sem ter mercado local de carbono, o Brasil não consegue chegar no nosso compromisso do Acordo de Paris", diz Maria Belen Losada, head de produtos de carbono do Itaú Unibanco. "Tem uma série de outras políticas que o governo precisa implementar, mas esta é realmente importante."
Bem, o primeiro grande passo foi dado, ter um instrumento regulatório nacional do Mercado de Crédito de Carbono e Emissões de GEE. Pressionados pela Demandas de mercados internacional, dos Acordos Internacional do Clima e minoritariamente pelas questões climáticas locais, podemos dizer que a duras penas costuramos um instrumento não ideal, mas o que foi possível no dissenso das casas legislativas, que bem reflete a representatividade dos segmentos e setores da sociedade brasileira no momento.
Fonte: Citada no texto